quinta-feira, 22 de março de 2012
Interpretando o Catecismo Maior
INTERPRETANDO O CATECISMO MAIOR
O FIM SUPREMO DO HOMEM
Pergunta 01: “Qual é o fim supremo e principal do homem”?
Resposta: “O fim supremo e principal do homem é glorificar
a Deus ( Rm
11.36; I Co 10. (31) e gozá-lo para sempre “(Sl 73. 24- 26;
Jo 17. 22- 24).
a- Glorificar a Deus: Sintética e esquematicamente, é o
reconhecimento humano, mental e expressivo, da indiscutível e absoluta
soberania do Criador, único merecedor da veneração e louvor da criatura. A
glória devida ao supremo Senhor pode ser ativa e passiva:
Ativa, aquela procedente da ação consciente, segundo a
expressão da vontade do homem, e adquire significado lógico ou simbólico. O
voltar-se deliberada e irrestritamente, em adoração, para o Senhor da vida,
significa ato volitivo de:
Glorificar (doxazo) a Deus, conferir-lhe a glória devida,
honrál-o,adorá-lo, exaltá-lo,cultuar-lhe o nome, submeter-se à sua autoridade,
ser-lhe propriedade exclusiva, servi-lo
incondicionalmente. Glorificação conscientemente ativa,
quando a inteligência humana submete-se, serviçalmente, ao seu augusto Rei.
Passiva, a estampada na natureza inanimada e animada. Toda
criação Deus a formou para sua própria glória, conforme o curso natural do
universo e a peculiaridade de cada coisa, de cada ser. Ao homem, porém, Deus o
criou não somente para ser-lhe glória estética passiva, mas, e principalmente,
expressar-lhe honra e adoração racionais.
Tal liturgia existencial emana de sua condição de “imago
Dei” e de sua capacitação para receber, reter e externar conhecimentos
revelados. Para glorificá-lo intelectiva e espiritualmente, o Criador o fez à
sua semelhança. A posição privilegiada do homem, criatura extremamente exaltada
por Deus, ressalta-se com nitidez no conjunto geral dos seres criados. As
Escrituras pintam o quadro do mundo recém-criado assim: Paisagem de fundo e
moldura: a natureza física e biológica. No meio, em cores mais vivas e exuberantes:
o Jardim do Éden com plantas ornamentais e frutíferas, animais domésticos e selvagens.
No centro do jardim,ressaltado, evidenciado e honrado, o homem, figura
eminente, proeminente, racional, emocional e espiritual; em si mesmo,clímax da
criação, e por si, glória maior do Criador. Tudo Deus fez, especialmente o homem,
para sua própria glória. Podemos, pois, sustentar que “o fim principal de toda criação
é glorificar a Deus e louvá-lo para sempre”: “Os céus proclamam a glória de Deus
e o firmamento anuncia as obras das suas mãos”(Al 19. 1). Para o homem, o louvor
a Deus, além de ser um requisito natural, é um dom da graça e um privilegiado dever.
b- “Gozá-lo para sempre”: Eterna comunhão da criatura com o
Criador, a condição permanente do filho na companhia de seu Pai, no estado em
que foi criado e sob constante zelo, proteção e direção paternos. A queda
desfez o gozo da filiação divina, acabou com a felicidade do lar original, onde
a unidade prevalente era: Deus-Marido- esposa- filhos. A salvação em Cristo,
reconciliando o pecador com o Salvador,restaura o homem à condição de filho de
Deus, conferindo-lhe paternidade divina,dando-lhe uma santa e gozosa
fraternidade na casa do Pai: relativamente aqui e absolutamente na eternidade.
Esquecer não se deve que o homem é um ser muito complexo:
composto do material e do espiritual; do irracional e do racional; do cognitivo
e do instintivo; do transitório e do eterno; do destinado ao pó e do ordenado
aos céus. Com a queda, um elemento perturbador, o pecado, entrou na natureza
humana, complicando ainda mais o que já era muito complicado. Agora podemos
dizer, referindo-nos ao salvo em Cristo, que o homem é, simultaneamente, santo
e pecador: santo por justificação e pecador por natureza. Espiritual e
psicologicamente o homem oscila hoje, a partir de si mesmo, entre Deus e o ego;
entre o ego e o tu(pessoa íntima, interativa); entre o ego e o outro(pessoamenos
íntima). A centralização em Deus fica-lhe extremamente difícil; somente a graça
restaura-lhe a comunhão com Deus.
DE IMAGEM DE DEUS À IMAGEM DE SI MESMO
O homem, segundo as Escrituras, veio à existência trazido
pelas mãos de Deus para ser instrumento da vontade do Criador, servi-lo e
cultuá-lo com todas as suas forças e potencialidades: inteligência, razão,
memória, dons, criatividade, produtividade, liderança e espiritualidade. A autossuficiência,
o egocentrismo e a egolatria são desvios decorrentes da queda. O tentador
induziu o ser humano a deslocar o centro controlador de sua vida do Criador
para a criatura. Sem a bússola divina a humanidade perdeu-se.
Aquele que antes se voltava para o Senhor voltou-se para si
mesmo, ensimesmou-se, sensualizou-se, materializou-se, endeusou-se. Impotente,
insuficiente, inábil e incapaz de gerir-se, torna-se vítima da malignidade
pessoal e alheia, tem seu mecanismo de orientação danificado, desorienta-se,
fica à deriva, angustia-se. Os sentidos, bases falsas de seus rumos vitais e
comportamentais, dão-lhe imensas alegrias sensuais e lhe causam
sofrimentos insuportáveis.
GLORIFICAR A DEUS
De Deus procede toda a benignidade, plena na semente
original e rudimentar na humanidade reprovada. O Criador honrou e glorificou o homem
( Sl 8), criando-o à sua imagem e semelhança( Gn 1. 27), conferindo-lhe
majestade e grandeza, dotando-lhe incríveis poderes, todos, porém, limitados
aos propósitos divinos. O pecado afasta a criatura de seu Criador e o conflita
com o semelhante. Em Cristo, porém, os eleitos são regenerados e reconciliados
com Deus. Agora, na pessoa do Filho, o Pai diz a cada redimido: “Tu és meu
filho amado, tua vida me dá prazer”. Cada regenerado em Cristo torna-se uma
glória para o Salvador e uma honra ao seu nome. Glorificar a Deus significa
dedicar-lhe submissão, obediência, respeito, adoração e serviço, virtudes dos agraciados
com a redenção. O servo de Cristo é perene glorificador de Deus. A harmonia
consistente e permanente entre o Redentor e os redimidos é a forma mais viva e
existencial de adoração e louvor. Quem pode dizer pelo Espírito: “Já não sou eu
quem vive, mas Cristo vive em mim”( Gl 2.20), este voltou a ser imagem e semelhança
de Deus, entrou no gozo eterno de seu Senhor.
GOZÁ-LO PARA SEMPRE
Receber as bênçãos de Deus e ser-lhe bênção é gozá-lo aqui,
no tempo que se chama hoje, e na eternidade. Aquele em quem o Espírito habita
experimenta o permanente gozo de estar em Cristo, servi-lo ativamente e
alegrar-se nele incondicionalmente. Deus se compraz com os seus eleitos,
aqueles que estão em seu Filho amado Jesus Cristo e o servem dia e noite.
Cristo vive no gozo do Pai, à sua destra no trono da realeza trinitária; nós
vivemos no do Filho, à sua direita, sob sua proteção, misericórdia e graça.
A ideia subjacente à afirmação catecismal: “Glorificar a
Deus e gozá-lo para sempre”, é a de um filho, na cultura patriarcal, que não
abandona o seu pai, não quebra a unidade do clã, não aborrece e nem entristece
a sua família, não procede como os dois filhos da parábola em que um abandona o
pai, o mais novo, e outro menospreza o irmão.
No sistema tribal, as realizações pessoais, paterna e
filial, derivavam da interação consistente entre pai e filho; um galardão do
outro. Deus nos criou para vivermos com ele. O pecado nos separou. Cristo nos
reconciliou. Somos agora, os reconciliados: um
com o Filho como ele é um com o Pai. Voltamos, pois, pela
mediação do Messias, ao gozo da comunhão com Deus na fraternidade dos santos. O
crente verdadeiro, pois, glorifica a Deus e o goza para sempre. Não há poder
capaz de arrancá-lo dos braços de Cristo.
A glória de Deus foi vista na face de Moisés, no rosto de
Cristo, nos semblante dos apóstolos; sentida no gemido dos mártires e no
testemunho de todos os cristãos autênticos. O filho é a alegria do pai, que se
vê na pessoa de seu herdeiro; cada filho, no entanto, deve honrar e dignificar
o seu pai. Assim somos e assim devemos ser, como filhos, para o nosso Pai
celeste.
Onezio Figueiredo
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